Pierre, com 60 anos, é um michê a quem o parceiro morreu e não deixou os quinze milhões que deveria. Ocupado pela insônia, viciado em tabaco e whisky, em depressão profunda e perdido no relacionamento social que perdeu com o mundo, soropositivo que rejeita a morte há 24 anos, Pierre ocupa-se da escrita e pensa em jovens para breves serviços sexuais. Michês de ocasião que assim invertem a ordem das coisas. Pierre atravessa assim um “esquecimento conveniente” como uma nuvem, mostrando uma Paris clássica e entregue ao corpo, envelhecido, refém de si mesmo e de uma vida de afetos estilhaçados, que se perdem quando se discute uma herança à mesa do café. Enquanto trabalho, o filme de Jacques Nolot tem enormes virtudes. Antes de tudo, olha para uma realidade pouco comum no cinema dito sério - o mundo dos gigolôs e michês - com olhos de realidade. Isto é, não se fala de prostituição mas de “michetagem”. Há afetividade, ainda que distância. Há um olhar nobre sobre a sexualidade, mesmo que promíscuo. Há, sobretudo, uma frontalidade e crueza nas relações que se admira enquanto expectador. E daqui deriva todo o trabalho do Nolot realizador, os planos longos e as seqüências que sussurram solidão, a captação dos olhares vagos, as falas diretas e envelhecidas, a criação de um ambiente psicológico sólido, com uma seqüência final inevitável e no gume da faca, segura em pontas.